sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Hora Não é Agora

Tive que correr bastante, mas consegui entrar naquele ônibus! Ainda bem, era justo no "horário de pico", quando os ônibus atrasam e demoram em média meia hora. Ora, sem falar que estão lotados neste horário. Enfim, embora ofegante, eu estava feliz por ter conseguido entrar naquele ônibus. Obviamente não consegui sentar, já que era um micro-ônibus - costumo chamá-lo de Besta. Sem problemas. Caso tivesse conseguido lugar para sentar não estaria contando esta história agora.
Posicionei-me no melhor lugar para me segurar e o ônibus partiu. Oh, como estava cansado desse dia chato que custou a passar e ainda não havia terminado. As casas e luzes que passavam pela janela não me chamavam a atenção, assim como as pessoas que estavam na rua ou em seus carros. Já que não havia atrativos externos, rendi-me aos internos: pensava nas coisas que eu fazia, nas coisas que deveria fazer e, finalmente, no que eu queria fazer. Claro que elas não coincidiam, eu fazia o que deveria fazer, não o que queria. O que eu queria eu não sabia bem ao certo, mas sabia que não era hora para aquilo. Um tempo atrás, quando eu queria fazer o que faço agora, disseram-me mesma coisa - não era hora para aquilo. Sim, desisti de querer aquilo e isso tornou-se o que eu devo fazer agora. Será que quando eu puder fazer o que quero agora já vou ter desistido disso? Provavelmente. A hora não é agora, e a hora nunca é agora, e John K. Samson estava correto ao escrever essas palavras em The Reasons - and the time is never now.
Após ter lembrado das palavras dessa música percebi que não havia muito o que eu pudesse fazer, apesar de querer. Então, logo que esses pensamentos desapareceram, olhei para frente e deparei com um rapaz, olhei em seus olhos e, no mesmo momento ele olhou fixamente nos meus. Também estava em pé, estava com uma camisa de flanela azul, mochila nas costas e fone de ouvidos. Sua face era instigante. Quando o vento fresco entrava pela janela, a franja em sua testa balançava lentamente. Os olhos eram negros e sérios. Ele estava mascando chicletes. Cada movimento do seu maxilar fazia com que sua pele se movesse. Eu podia sentir em meus dentes cada mascada que ele dava, assim como a pele do rosto se movendo. Não era mais a pele de um adolescente, já era possível ver que o tempo passou por ali. Ao mesmo tempo que os olhos mostravam o sofrimento que o tempo - o mesmo que enrugou um pouco a pele - deixou, mostravam também uma simpatia, um convite. Não me arrisco a descrever sua fisionomia, sei que não faria bem, nem mesmo Tolstoi faria. Em sua orelha esquerda havia um pequeno brinco de argola. Era um jovem! Fones de ouvido, argola na orelha esquerda, cabelo um pouco comprido com uma franja na testa, mochila nas costas. Ora, era mesmo um jovem. Sim, era. O tempo passou por ele, deixou problemas, sofrimentos, um pele diferente. O tempo exigiu dele uma postura, uma tomada de decisão, uma responsabilidade pelos atos. Em seus olhos eu poderia ver vários "devo fazer", e mais que isso, haviam muitos "quero fazer". Mas estes estavam presos por um "a hora não é agora" que, ao se misturar com uma sensação de angustia, tornava-se: "a hora nunca é agora". E aí formava-se todo um sofrimento complexo que se manifestava no rosto. O sentimento que tive quando o vi foi indescritível, Dostoiévski não saberia também descrever.
O rapaz me hipnotizou até o momento que o apito do ônibus soou: era meu ponto. Assim que deixei de olhá-lo nos olhos e virei, percebi que ele fez o mesmo. Desci do ônibus, senti o mesmo vento fresco que balançava a franja acima daqueles olhos, mas dessa vez ele movia a minha franja. Alisei-a para o lado, já que caia em meu olho direito. Senti-me triste por saber que nunca mais veria aquele rapaz que tanto me interessou e, assim, falei para mim mesmo: "Nunca mais o verei".
Segui o caminho até minha casa sendo vigiado por uma estrela solitária que não havia se escondido nas nuvens. Sabia que o rapaz do ônibus era meu reflexo no vidro, que realmente nunca mais o viria, e sabia que ele não existia. Queria revê-lo, mas não era hora para isso.

2 comentários:

  1. ei, onibus são meus assuntos!

    muito booom, seu loco! Nunca é a hora certa pra nada que a gente quer, porque o egoísta do o-que-tem-de-ser-feito não sabe esperar!


    Ludi
    http://guarda-chuvaroxo.blogspot.com

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  2. Porque fingimos viver em um tempo interminável,mesmo sabendo que ele terminará um dia..
    Se a hora nunca chega, adiar não adianta mais.

    - Muuito bom seu texto, adorei! :)


    Luana

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Mi infierno es su infierno!